Projetos do MPPB são alternativas para romper o ciclo de violência doméstica
Desde que se aprofundou a crise causada pela pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), a preocupação com a questão da violência doméstica aumentou. Isto porque, por causa do isolamento social, a perspectiva é que a violência contra a mulher deva se intensificar nesse período. Apesar da situação difícil, o Ministério Público está trabalhando em esquema de plantão e os atendimentos nas delegacias, Defensoria Pública, Casa da Mulher Brasileira e Disque 180 estão mantidos.
No início deste mês de abril, uma nova lei foi aprovada, a Lei Federal 13.984/2020, que altera as medidas protetivas de urgência obrigadas ao agressor e o obriga a acompanhamento psicossocial, um serviço que o Ministério Público da Paraíba já oferece desde 2018 através do Projeto Refletir. O programa foi criado em 2018, em parceria com o Centro Universitário de João Pessoa (Unipê). A iniciativa já alcançou 70 homens, em três cidades da Paraíba.
A promotora de Justiça, Dulcerita Alves é uma das idealizadoras do programa de recuperação e reeducação, juntamente com a também promotora Elaine Alencar, e executora da ação em João Pessoa. A iniciativa foi inspirada em uma experiência do Ministério Público do Rio Grande do Norte e visa que os participantes reflitam sobre a violência doméstica e não mais reincidam no crime. Além disso, a participação e o acompanhamento desses participantes podem resultar em redução de suas penas.
Pouco tempo depois de criar o grupo Refletir, outra iniciativa que merece destaque é o Projeto Florescer, este voltado para as mulheres que sofreram violência doméstica. O objetivo deste programa é que as mulheres tenham orientação psicológica através de oficinas para compreenderem a questão da violência, do relacionamento abusivo para que possa romper com este ciclo.
Em um momento como o que se vive agora, com o isolamento social, projetos como esses merecem destaque pelo empenho dos membros em prol da sociedade, tanto que para contribuir com o debate, a edição deste mês de abril da Revista Cláudia trouxe um material abordando como o isolamento social, imposto pela propagação do Covid-19, tem afetado as mulheres que sofrem com violência doméstica. E para encontrar uma forma de ajudar estas mulheres, a coluna Justiça de Saia, da promotora de Justiça Gabriela Manssur, destacou programas de combate ao ciclo da violência. Entre eles estão os projetos Florescer e Refletir, que tem à frente Dulcerita Alves.
Para esclarecer sobre o projeto e as consequências da atual quarentena, falamos com a promotora Dulcerita. Confira abaixo a entrevista.
APMP: Primeiramente, gostaria de saber como surgiram e como funcionam os dois projetos: Refletir e Florescer?
DULCERITA ALVES: O PROJETO REFLETIR surgiu em 2018 da necessidade de se dar uma resposta à sociedade que fossem além da resposta processual. Víamos os processos acabarem e o problema continuar dentro dos lares. Assim, soube da existência de grupos reflexivos junto ao Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN), entramos em contato e fomos conhecer. Logo depois, o MPRN, juntamente com promotora de Justiça, Érica Canuto, e sua equipe nos capacitaram para realizarmos grupos reflexivos.
O grupo reflexivo funciona a partir de oficinas. Ao todo são oito oficinas, sendo uma vez por semana. Nela, os homens discutem junto com estudantes de psicologia, sob a Coordenação da professora Leda Maia, do Unipê, assuntos relacionados ao tema da violência doméstica para que eles façam uma gradual reflexão sobre o ato que praticaram. Ao final das oito oficinas, os homens em situação de violência recebem uma certidão de participação que será anexada aos seus processos. Isso que faz com que eles participem, sejam assíduos.
Já o PROJETO FLORESCER surgiu após o Refletir, em maio de 2019. É um projeto bem novo e que veio se unir e complementar o Projeto Refletir. Ele nasceu da ideia de que nada adiantaria mudar a mentalidade do homem, se a mulher não entendesse que precisava romper com o ciclo da violência, compreendendo o que seria uma relação é abusiva porque a mulher também tem o direito de entender o que é um relacionamento abusivo e buscar os meios de conseguir sair dele.
O Florescer funciona também em convênio com alunos da Unipê, sob a coordenação da Professora Leda Maia. São oferecidas quatro oficinas operativas e as mulheres ao terminarem as oficinas, se quiserem, são encaminhadas a cursos profissionalizantes.
APMP: Como as mulheres podem fazer pra participar destes projetos?
DULCERITA ALVES: As mulheres interessadas em participar podem procurar a sala do Ministério Público de Combate à Violência Doméstica no térreo do Fórum Criminal ou o próprio CAO-Cível, que fica na Rua Almirante Barroso, 162, Centro. Lá, ela será encaminhada para uma das turmas dos grupos operativos. Saliento que há uma fila de espera devido a demanda de interessadas e também ao fato da suspensão das atividades em virtude da Pandemia (COVID-19).
APMP: Em relação ao Covid-19, neste momento de confinamento devido à pandemia, os casos de violência doméstica estão se agravando?
DULCERITA ALVES: Este é um momento muito delicado, pois para muitas mulheres escutar o “fique em casa” significa ficar em situação de maior vulnerabilidade. A casa dessas mulheres é o lugar mais perigoso de se estar. Como já vimos nos noticiários pelo mundo, a exemplo do Japão e da Itália, os relatos de crescimento da violência doméstica só aumentam. No Brasil, não seria diferente. Os números mostram que os casos de violência doméstica aumentaram quando o isolamento social foi imposto pelas autoridades de saúde.
Um levantamento inédito encomendado pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), realizado pela empresa Decode Pulse nos meios digitais, apontou um crescimento de 431% nos relatos de terceiros na internet sobre brigas de casais no Brasil após a adoção de medidas de isolamento social para conter o avanço da pandemia do novo Coronavírus.
O Ministério Público não pode ser omitir diante dos casos e também está atuando virtualmente, já que os processos de medidas protetivas e também de prisões não pararam durante a pandemia, ou seja, as medidas urgentes continuam em andamento. Além do mais, as mulheres que têm suas medidas protetivas em vias de esgotar o prazo podem pedir a prorrogação através de formulário digital disponibilizado pelo Tribunal de Justiça.
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) emitiu uma nota técnica para a adoção de medidas preventivas que serão adotadas em todos os Estados, no escopo de uniformizar um plano de contingência e medidas de prevenção e repressão aos casos de Violência Doméstica. Tal nota técnica nos traz suporte na forma de agir trazendo suporte e atendimento especial material e psicológico às mulheres.
APMP: Como a sociedade civil pode ajudar as mulheres nesses casos?
DULCERITA ALVES: A sociedade civil tem papel determinante. Muitos sabemos que no momento de isolamento, a vizinha, a amiga, o familiar, deve estar atento aos sinais e até ao silêncio da mulher. Quando se sabe que a mulher está em um relacionamento abusivo seria importante as pessoas mais próximas estarem ainda mais próximas: um telefonema, uma chamada de vídeo, até um recado para que a mulher saiba a quem pedir socorro.
Com a mulheres mais isoladas, fica difícil de detecção a violência que era muitas vezes percebida no local de trabalho, no salão de beleza e por onde a mulher se relacionava e “desabafava” a sua dor. Agora, a sociedade civil deve estar atenta e denunciar, chamar a polícia mesmo, usar dos canais não presenciais, como o disque 180 ou o disque 190 e nos casos mais extremos intervir. A mulher tem que saber que não está só, que tem a quem contar, para que os dramas e traumas do isolamento sejam minimizados.